
Os riscos psicossociais no ambiente de trabalho são definidos como aqueles fatores relacionados à organização, concepção e gestão do trabalho que podem impactar negativamente a saúde psicológica, emocional e social dos colaboradores. Em termos mais simples, são as condições e o modo como o trabalho é estruturado e gerenciado que podem gerar estresse, ansiedade, depressão e até mesmo doenças físicas, como os Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT).
A Portaria MTE nº 1.419/2024, que alterou a NR-1, deixou claro que esses riscos devem ser tratados com a mesma seriedade que os riscos físicos, químicos e biológicos. Isso significa que a saúde mental não é mais uma questão secundária, mas uma parte integrante da segurança e saúde ocupacional. A negligência desses fatores pode levar a um adoecimento mental coletivo, aumento do absenteísmo, queda na produtividade e, consequentemente, custos elevados para a empresa.
Exemplos práticos de riscos psicossociais que sua empresa pode enfrentar:
- Assédio moral ou sexual: Comportamentos abusivos que expõem o trabalhador a situações humilhantes e constrangedoras.
- Sobrecarga de trabalho: Excesso de tarefas, prazos apertados e pressão constante que levam ao esgotamento físico e mental.
- Falta de autonomia: Pouca ou nenhuma liberdade para tomar decisões sobre as próprias tarefas, gerando frustração e desmotivação.
- Isolamento social: Comum em modelos de trabalho remoto ou em equipes com pouca interação, pode levar à solidão e à falta de suporte.
- Estresse constante, ansiedade ou fadiga: Sintomas diretos de um ambiente de trabalho desequilibrado.
- Baixo suporte organizacional: Ausência de apoio da liderança e da equipe, dificultando a resolução de problemas e o desenvolvimento profissional.
- Gestão confusa ou ausência de clareza nas funções: Falta de direcionamento e expectativas claras, gerando insegurança e ineficiência.
É crucial entender que a identificação e o tratamento desses riscos não se trata de diagnosticar condições individuais de saúde mental, mas sim de avaliar as condições de trabalho que podem ser estressoras e levar ao adoecimento. A NR-17 (Ergonomia) também se integra a essa abordagem, focando na organização do trabalho como um dos principais fatores a serem considerados na gestão dos riscos psicossociais.
NR-1: As principais mudanças e seus impactos na Gestão de Riscos Psicossociais

A Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1) é a base para todas as demais NRs, estabelecendo as disposições gerais sobre segurança e saúde no trabalho. Com a atualização de 2025, a NR-1 trouxe mudanças significativas que impactam diretamente a forma como as empresas devem lidar com a saúde mental de seus colaboradores. A Portaria MTE nº 1.419/2024, que entrou em vigor em 26 de maio de 2025, é o principal instrumento dessas alterações.
As principais mudanças incluem:
- Inclusão expressa dos fatores psicossociais no Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR): O item 1.5.3.1.4 da NR-1 agora especifica que o gerenciamento de riscos ocupacionais deve abranger os riscos que decorrem de agentes físicos, químicos, biológicos, riscos de acidentes e riscos relacionados aos fatores ergonômicos, incluindo os fatores de risco psicossociais relacionados ao trabalho. Isso significa que as empresas não podem mais ignorar esses riscos em seus inventários e planos de ação.
- Integração com a NR-17 (Ergonomia): A NR-17, que trata da ergonomia, é agora explicitamente mencionada no processo de gerenciamento de riscos da NR-1. O subitem 1.5.3.2.1 da NR-1 determina que a organização deve considerar as condições de trabalho, nos termos da NR-17, incluindo os fatores de risco psicossociais relacionados ao trabalho. Essa integração reforça a necessidade de uma abordagem holística, onde a organização do trabalho é vista como um fator crucial para a saúde mental.
- Obrigatoriedade de inventário de riscos e plano de ação: As empresas devem registrar os riscos psicossociais em um inventário de riscos e elaborar um plano de ação com medidas preventivas, prazos e responsáveis. Esses registros devem ser feitos no sistema do eSocial.
- Revisão periódica dos documentos: Os documentos do PGR devem ser revisados a cada 2 anos, ou a cada 3 anos para empresas certificadas, ou sempre que houver mudanças tecnológicas ou organizacionais que alterem os riscos.

É fundamental compreender que a NR-1 já exigia o gerenciamento de todos os riscos ocupacionais, incluindo os psicossociais, mas a nova redação enfatiza essa obrigação, eliminando qualquer margem para interpretações ambíguas. A avaliação dos riscos psicossociais deve focar nas condições de trabalho que são estressoras, e não em sintomas individuais dos trabalhadores.
Quem Precisa Elaborar o PGR?
Embora a NR-1 seja abrangente, existem algumas exceções e tratamentos diferenciados:
- Microempreendedor Individual (MEI): Está isento do PGR. Contudo, se tiver empregado, deve usar o eSocial para garantir a dispensa do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO), desde que não haja exposição a fatores ergonômicos. É importante ressaltar que a organização contratante do MEI deve incluí-lo em suas ações de prevenção e no seu PGR, quando este atuar em suas dependências.
- Microempresas (ME) e Empresas de Pequeno Porte (EPP): Estão dispensadas do PGR quando forem de grau de risco 1 ou 2, sem exposição a agentes físicos, químicos ou biológicos. No entanto, mesmo nesses casos, é obrigatório realizar a Avaliação Ergonômica Preliminar (AEP), que deve incluir os riscos psicossociais.
Para as demais empresas, a elaboração e implementação do PGR, com a devida atenção aos riscos psicossociais, é uma obrigação legal inadiável. O prazo final para adequação é 26 de maio de 2026.
Obrigações das Empresas

Com a nova redação da NR-1, as empresas que se enquadram na exigência do Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) têm responsabilidades claras e inadiáveis. Mais do que cumprir uma formalidade legal, trata-se de um compromisso com a vida e o bem-estar de seus colaboradores. As principais obrigações incluem:
- Identificar e avaliar os riscos psicossociais: Isso deve ser feito com apoio técnico especializado, integrando-se às diretrizes da NR-17 (Ergonomia). A avaliação deve focar nas condições de trabalho que podem gerar estresse e adoecimento, e não em diagnósticos individuais.
- Registrar os riscos em inventário: Todos os riscos identificados, incluindo os psicossociais, devem ser devidamente documentados no inventário de riscos e inseridos no sistema do eSocial.
- Criar plano de ação: Um plano detalhado com medidas preventivas, prazos e responsáveis deve ser elaborado para mitigar os riscos identificados. Este plano deve ser dinâmico e revisado periodicamente.
- Capacitar os trabalhadores: É fundamental oferecer treinamentos que abordem aspectos físicos e mentais da saúde, conscientizando sobre os riscos e as formas de prevenção.
- Revisar os documentos: O PGR e seus documentos complementares devem ser revisados a cada dois anos (ou três, para empresas certificadas), ou sempre que houver mudanças significativas no ambiente de trabalho.
Impactos da Nova Norma na Saúde Mental
Os dados do Ministério do Trabalho e Emprego são alarmantes: transtornos mentais já figuram entre as principais causas de afastamento laboral no Brasil, representando 8,35% dos adoecimentos ocupacionais em 2022. Essa estatística sublinha a urgência de uma abordagem proativa por parte das empresas. A exigência legal de gerenciamento dos riscos psicossociais tem dois objetivos primordiais:
- Reduzir afastamentos e custos: Ao investir na saúde mental, as empresas diminuem o número de licenças médicas, a rotatividade de pessoal e os custos associados a tratamentos e indenizações, além de evitar multas e sanções legais.
- Proteger a dignidade e integridade do trabalhador: Mais do que números, estamos falando de pessoas. Garantir um ambiente de trabalho saudável é proteger a dignidade humana, promovendo um espaço onde o colaborador se sinta seguro, valorizado e capaz de desenvolver seu potencial plenamente.
Durante o Setembro Amarelo, essa discussão ganhou ainda mais relevância. A campanha, dedicada à prevenção do suicídio, nos lembra que a saúde mental é um tema que exige atenção contínua e ações concretas. Para as empresas, este mês é uma oportunidade de ouro para reforçar seu compromisso com a vida, implementando políticas internas de cuidado e prevenção que podem, literalmente, salvar vidas.
A implementação de um programa eficaz de gestão de riscos psicossociais pode parecer complexa, mas seguindo um roteiro estruturado, sua empresa pode transformar esse desafio em uma oportunidade de crescimento e humanização. O processo deve ser contínuo e envolver diversas etapas:

Planejamento e Envolvimento:
- Engajamento da liderança: A alta direção deve estar plenamente comprometida, pois seu apoio é fundamental para o sucesso do programa.
- Participação de todos: Envolver a CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de Assédio), o SESMT (Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho) e os próprios trabalhadores é crucial para identificar as reais necessidades e construir soluções coletivas.
- Ajuda especializada: Não hesite em buscar o apoio de psicólogos organizacionais, ergonomistas e outros profissionais especializados. Eles podem oferecer o conhecimento técnico necessário para a identificação e avaliação dos riscos.
Identificação e Avaliação:
- Avaliação Ergonômica Preliminar (AEP) ou Análise Ergonômica do Trabalho (AET): Utilize essas ferramentas, conforme a NR-17, para analisar as condições de trabalho e identificar os fatores de risco psicossociais. Lembre-se que a AEP é obrigatória para todas as empresas, mesmo as dispensadas do PGR.
- Coleta de dados: Realize pesquisas, entrevistas e grupos focais, garantindo o anonimato e um ambiente de confiança para que os colaboradores se sintam à vontade para expressar suas percepções sobre a rotina de trabalho.
- Foco nas condições de trabalho: A avaliação deve se concentrar nos perigos decorrentes da concepção, organização e gestão do trabalho, e não em sintomas individuais.
Registro em Inventário:
- Classificação dos riscos: Classifique os riscos identificados conforme sua probabilidade e severidade, documentando os processos, grupos expostos e as medidas de prevenção já existentes.
- Documentação: Mantenha um registro detalhado e atualizado de todas as informações no inventário de riscos, que fará parte do PGR.
Plano de Ação e Acompanhamento:
- Medidas corretivas e preventivas: Defina ações claras para eliminar, reduzir ou controlar os riscos, estabelecendo cronogramas e responsáveis.
- Monitoramento contínuo: Acompanhe a implementação das medidas, verificando sua eficácia e realizando ajustes sempre que necessário. A saúde ocupacional dos trabalhadores deve ser monitorada de forma preventiva e sistemática.
- Análise de acidentes e doenças: Analise os acidentes e doenças relacionadas ao trabalho, incluindo eventos perigosos que poderiam ter consequências graves, para aprimorar as medidas de prevenção.

Com a atualização da NR-1, o Brasil dá um passo importante rumo à proteção integral do trabalhador, reconhecendo a saúde mental como um pilar da segurança ocupacional. Essa mudança não deve ser vista apenas como uma obrigação legal, mas como uma oportunidade estratégica de promover um ambiente de trabalho mais saudável, seguro e produtivo.
No mês dedicado à prevenção do suicídio e à promoção da saúde emocional, várias campanhas sobre o Setembro Amarelo reforçaram a importância de empresas irem além da conformidade normativa, cultivando uma cultura organizacional que valoriza a vida e o bem-estar. Implementar ações internas de conscientização, prevenção e acolhimento pode transformar a relação entre empresa e colaboradores, prevenindo adoecimentos e fortalecendo equipes.
Assim, alinhar as exigências da nova NR-1 com o espírito impulsionado pelo Setembro Amarelo não é apenas cumprir a lei, mas assumir um compromisso contínuo com a vida, demonstrando que a saúde mental deve ser tratada com a mesma seriedade que qualquer outro risco ocupacional. Essa integração promove não só a sustentabilidade do negócio, mas também uma contribuição significativa para uma sociedade mais saudável e humanizada.